Como fazer recrutamento e seleção no mercado digital
Juliana Soares
“Postar vagas não é a forma mais eficiente de encontrar os profissionais mais qualificados”. É o que diz Jonathan Yung, Managing Partner da Vertico Human Capital, consultoria de executive search focada em posições de liderança para empresas do mercado digital. Ele e Rafael Fingergut, Talent Acquisition, foram os convidados a conduzir o bate papo virtual sobre recrutamento e seleção de profissionais de tech e produto organizado pelo time da Grão para as empresas do portfólio no fim de maio.
Com 15 anos de experiência na área de recrutamento para posições de liderança dentro do mundo de tecnologia, Jonathan, que já atuou nos Estados Unidos e na Inglaterra, conta que ao retornar ao Brasil percebeu que as empresas de recrutamento e seleção eram muito generalistas e não tinham o olhar voltado para o mercado digital. Foi assim que surgiu a ideia de empreender nessa área.
Nova forma de recrutamento
A percepção das particularidades desse mercado e a experiência com processos seletivos fizeram com que a Vertico alterasse a sua forma de recrutamento. Jonathan conta que ao postar uma vaga, a equipe gastava muito tempo fazendo a filtragem dos candidatos e que, mesmo assim, a grande maioria era desqualificada. Foi nesse ponto que ele tomou a decisão de parar de postar vagas e investir tempo no contato direto com poucos profissionais, mas que fossem realmente bons.
Segundo ele, há um grande déficit estrutural de talentos nas áreas de liderança de tecnologia e produto no Brasil. Há uma demanda alta e uma oferta baixa de profissionais mais qualificados que podem ocupar posições de CTO e Desenvolvedores, por exemplo. Esse tipo de profissional olha postagens de vagas com menos frequência. Por esse motivo, o contato direto é mais eficiente.
Entrevistas e referências
A partir daí o trabalho do recrutador passa a ser de assessment. Avaliar se uma pessoa tem o perfil que se encaixa em uma vaga inclui não somente a entrevista, mas principalmente as referências. Para Jonathan, as entrevistas ajudam a tirar dúvidas, mas são as referências, principalmente as backdoor (não fornecidas pelo candidato), que ajudam a entender quem a pessoa é de fato. “É muito fácil enganar um headhunter por uma hora, mas enganar alguém dez horas por dia durante cinco anos é bem difícil”, diz Jonathan.
Rafael Fingergut explica que, normalmente, as referências backdoor são pessoas que ocupam posições sênior. Elas já estão acostumadas a ser contatadas com esse propósito e, por isso, relatam exatamente como a pessoa se comporta. Um outro perfil de referência é aquela solicitada diretamente ao candidato. Nesse caso, perguntar sobre coisas tangíveis é uma forma de ter respostas mais relacionadas às características de quem está sendo considerado para a vaga. “A pessoa indicada como referência vai falar como é o perfil de ação do candidato. Como ele desenvolve um projeto, o que ele já fez (…) Isso tudo vai nos mostrar se ele vai ser mais hands on, se ele vai ser mais técnico, se ele tem uma parte de gestão de pessoas maior”, diz Rafael.
Atração de talentos
Atrair talentos no mercado digital não é tarefa fácil, especialmente se a vaga oferecida for de tech. A estratégia para chamar a atenção de candidatos em potencial começa, muitas vezes, por uma espécie de monólogo virtual.
Em um primeiro contato, o recrutador dá informações mais gerais sobre a empresa. Fala de coisas como o segmento, se ela tem bons investidores e board members conhecidos no mercado. Caso não tenha resposta, a riqueza de detalhes vai aumentando gradativamente. Dados sobre a cadeira, a equipe e como o sucesso do profissional vai ser mensurado entram no pacote de informações compartilhadas.
Muitas vezes há a necessidade da insistência por parte do recrutador por uma manifestação de interesse ou até mesmo de desinteresse. Por fim, se nada disso der certo, o melhor é apostar na sinceridade absoluta e dizer claramente que a pessoa tem o perfil ideal para a vaga. O importante é não desistir. Jonathan conta que na Vertico, para preencher uma vaga de tech, é comum ser feito um mapeamento de cerca de 300 candidatos.
No caso de vagas de produto e growth, o processo é um pouco mais fácil. É importante ter bastante clareza sobre qual o perfil do profissional dessas áreas faz mais sentido para a sua empresa. Quanto mais clareza tiver, mais simples será selecionar seus filtros de busca. Definido isso, será mais fácil enviar mensagens mais assertivas para os potenciais candidatos.
A reputação do contratante também pode servir como um atrativo para os profissionais. Mostrar clareza de propósito e ter uma boa cultura organizacional são fatores que contam a favor da empresa, principalmente quando ela tem uma massa crítica maior de funcionários e já foi certificada pelo Great Place to Work. Por outro lado, o registro de informações em plataformas como o Glassdoor, por exemplo, que é bastante consultada por quem busca uma recolocação, pode significar que a sua empresa vai responder por atos não tão bons que aconteceram no passado.
Hunting ativo
Quando o movimento é de ir à procura de profissionais qualificados, a estratégia normalmente tem início no LinkedIn. Segundo Rafael, é muito importante estudar o mercado e verificar se há referências de startups que façam sentido em termos de cultura e atividade. Só depois é que um contato com possíveis candidatos é estabelecido.
“A estratégia do hunting ativo é primeiro elaborar hipóteses que possam ser possíveis para determinada vaga. Sejam elas relativas a concorrentes, a uma referência de mercado que tem o perfil mais inovador ou que tenha uma cultura um pouco mais tradicional”, explica ele. Um outro ponto é que nesse tipo de processo o engajamento dos profissionais tende a aumentar quando eles recebem o máximo possível de informações sobre a empresa e sobre a vaga antes mesmo de falarem com o recrutador.
Rafael fala ainda de momentos em que o hunting ativo é usado quando há a procura por profissionais em uma posição de diversidade. Nesse caso, é preciso definir tanto as características de prioridade como quais podem ser deixadas em segundo plano, como inglês fluente e senioridade, por exemplo.
Os profissionais de produto
A definição de prioridades e a clareza em relação ao tipo de profissional que vai se encaixar melhor na sua empresa também é de alta relevância quanto se trata da seleção de profissionais de produto. É uma área que tem algumas particularidades, e requer o entendimento da jornada do candidato e de como a carreira dele tem sido construída.
Este é um dos poucos departamentos no mercado digital que não exige uma graduação específica. Algumas boas referências de cursos nessa área são os oferecidos pela PM3 , Product Arena, Tera e Reforge. Entretanto, o que realmente importa no processo de recrutamento é saber que tipo de conteúdo específico essa pessoa consome e onde ela se inspira para desenvolver suas ações na área.
Rafael explica que há três pilares que são a base para quem trabalha com produto: design, business e tecnologia. Segundo ele, a tendência é que os profissionais direcionem suas carreiras para algum deles. Por isso, é determinante saber do que a empresa precisa ao selecionar um candidato.
Uma outra questão levantada por Rafael é que nas startups, normalmente, os fundadores estão diretamente ligados à parte orientada a business dentro da área de produto. Existe um vínculo forte. É como um filho mesmo, que passou a existir junto com a empresa. Neste caso, o papel do recrutador é perceber qual profissional vai conseguir assumir este lugar ou até compartilhar a guarda desse filho com os donos do negócio.
Para que isso aconteça, é fundamental conhecer a trajetória do candidato mais a fundo. Saber qual o caminho a pessoa traçou para chegar até essa área, porque a escolheu, quais referências ela tem, que tipo de conteúdo consome, pelo que se interessa, o que construiu na carreira. “É avaliar se o background e os interesses dela estão alinhados com o que a startup busca”, explica Rafael.
Uma outra característica fundamental é ser uma pessoa hands on. Como o profissional de produto estabelece uma conexão com diversas vertentes do negócio (time, investidores e clientes, por exemplo), ele precisa estar sempre antenado ao que está acontecendo no mercado, independentemente de ocupar uma posição júnior ou estratégica dentro da empresa.
Mas como saber se a pessoa que está participando do processo seletivo tem essa característica? A dica de Jonathan é focar nas conversas com as pessoas referência. É nessa fase do processo que você vai conseguir saber se o candidato é mais detalhista, se está sempre pronto a ajudar, se procura saber de tudo o que está acontecendo no ambiente, entre outras coisas.
Por fim, não se prenda aos modismos dos nomes dos cargos. Rafael e Jonathan pontuam que produto é um departamento relativamente novo e que, por isso, muitos nomes são usados para definir as posições. Associate Product Manager, PO, Head de Produto, GPM, Product Lead, CPO, “tem que tomar um pouco de cuidado com a sopa de letras”, diz Jonathan. O foco deve ser no que o profissional deverá executar ao ocupar a vaga e no que a empresa precisa, e não necessariamente no nome dado ao cargo.
De candidato a cliente
O mercado de tecnologia está superaquecido. A demanda por profissionais qualificados é bastante grande e, consequentemente, eles são contatados por muitos. Isso reforça a importância da cultura de construção de relacionamento com essas pessoas, o que inclui a postura de respeito pelos candidatos durante todo o processo de recrutamento e seleção.
Proporcionar uma experiência positiva a esses profissionais é um dos objetivos da Vertico. Jonathan diz que um bom candidato eventualmente vira um cliente. Ter uma parceria baseada na confiança e no respeito inclui posturas como a implementação do sistema NPS, que já era utilizado com os clientes, e o feedback relativo a quase todos os processos.
“Todo mundo aqui já aplicou para alguma vaga. Você se dedica e aí não recebe uma mensagem dizendo se foi aprovado ou não. Isso é falta de educação”, afirma Jonathan.
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O processo de recrutamento e seleção é o momento e a oportunidade de conhecer a história dos candidatos. Não importa se ele mudou de empresa várias vezes ou se ficou na mesma por muito tempo, o que importa é o que ele construiu e que marca deixou no período que passou ali. Nessa conversa com o pessoal da Vertico, pudemos perceber a importância de fazer contato e construir relacionamento com os profissionais do mercado digital. Com todas essas dicas, esperamos que vocês consigam aprimorar os seus processos de recrutamento e seleção.