O papel do líder na formação e reforço da cultura organizacional

Grão Venture Capital, 19 de abril de 2022
Grão

É famosa a frase do consultor em administração e marketing Peter Drucker que diz “Culture eats strategy for breakfast”, ou, em bom português, “A cultura come a estratégia no café da manhã”. 

Estratégia e cultura estão entre as principais alavancas de crescimento de uma empresa. De um lado, a estratégia fornece uma lógica formal para os objetivos de uma empresa e orienta as ações direcionadas a esses objetivos, dando clareza e foco para a ação coletiva e a tomada de decisões no ambiente organizacional. 

Do outro lado, a cultura tem uma natureza mais elusiva: ela expressa os objetivos de uma empresa através de valores, crenças e suposições compartilhadas. A cultura é um fenômeno coletivo, que não existe em apenas uma pessoa – daí a importância do líder enquanto formador e reforçador da cultura. Outro atributo da cultura é que ela é pervasiva, ou seja, a cultura se espalha, se manifesta em todos os níveis de uma organização em comportamentos coletivos, rituais de grupo, ambientes físicos, mentalidades, em elementos explícitos e implícitos. 

“Cultura é um sistema em que você tem um input que vai gerar um output. Esse input são os valores, os exemplos que as pessoas vêem, os artefatos usados na rotina da empresa, os rituais… Tudo isso vai produzir um output, que é o comportamento. O comportamento que a gente vê dentro de uma empresa e a forma como pessoas de fora vêem esse comportamento é resultado de uma série de inputs. Por isso que para conseguirmos entender ou mudar uma cultura, não basta olhar o comportamento, mas todo o conjunto de valores e práticas que resultou nesse comportamento”, explicou Carolina Carioba, CPO da nuvini, no Grão Talks desse mês sobre o papel do líder na formação e reforço de cultura

Carioba elencou alguns exemplos de como a cultura de uma empresa se expressa (vale a pena observar como é na sua empresa, seja você um líder, funcionário, colaborador ou shareholder):

  • Comportamentos observados quando as pessoas interagem: linguagens, costumes, tradições e rituais que empregam.
  • Normas de grupo: padrões e valores implícitos que se desenvolvem em grupos de trabalho.
  • Valores expostos: princípios e valores articulados, publicamente anunciados.
  • Filosofia formal: políticas amplas e princípios ideológicos que orientam as ações de um grupo.
  • Regras do jogo: regras implícitas, não escritas, difundidas por toda a organização. É o famoso “o jeito que fazemos as coisas aqui”. 
  • Clima: sentimento transmitido em um grupo por um layout físico e o modo que os membros interagem entre si. 
  • Habilidades natas: competências especiais demonstradas pelos membros de um grupo para realizar certas tarefas, sem necessariamente estarem articuladas por escrito.
  • Hábitos de pensar, modelos mentais e paradigmas linguísticos.
  • Significados compartilhados: emergem à medida que membros do grupo interagem entre si.
  • Metáforas raízes ou símbolos de integração: as formas pelas quais os grupos se desenvolvem e tornam-se inseridos nos prédios, layouts de escritório e outros artefatos materiais do grupo. 

Carioba reforça que não existe uma cultura “certa” ou “errada”, mas, no fim do dia, é a adesão à cultura de uma empresa que depende o sucesso de sua estratégia – “A cultura come a estratégia de café da manhã”, lembra?

Tipos de cultura

Atuando há 20 anos com Gestão de Pessoas, Carioba passou por empresas como Google, HBO, Santander, WeWork e OLX e, em cada uma delas, experimentou um tipo de cultura.

“Tem empresa em que os processos falam mais alto do que o gestor, em que tudo é baseado em dados e há muita transparência na divulgação das informações e resultados. Tem empresa que funciona melhor em um modelo colaborativo, outras com um modelo centrado no gestor. Tem aquelas em que as estruturas são mais hierárquicas, formais, em que um elemento político permeia as relações. Tem empresa em que o planejamento é fundamental e outras que focam mais na entrega, que implementam mudanças com mais frequência e mais rápido e depois analisam, e assim vai. A cultura também tem muito a ver com o momento em que a empresa está, não é imutável, mas preserva algumas características essenciais de cada empresa”, explicou. 

Embora não exista uma fórmula única (e menos ainda mágica) de cultura organizacional, talvez a divisão mais conhecida seja a proposta por Charles Handy, que definiu quatro tipos básicos de cultura organizacional:

  • Cultura de poder: modelo de hierarquia bem definida, em que as decisões são concentradas no líder ou dono e os funcionários são estimulados a competir entre si. É um modelo que delega pouco,
  • Cultura de tarefas: nesse modelo, as demandas são bem distribuídas entre vários times e colaboradores. É um modelo que delega bastante e foca na resolução e na entrega. 
  • Cultura de pessoas: aqui ficam as empresas que focam na valorização dos colaboradores, da qualidade de vida no trabalho e em políticas de incentivo. É um modelo de trabalho mais colaborativo.
  • Cultura de papéis: aqui, o foco é o papel desempenhado por cada pessoa. É um modelo bastante regrado, em que cada um sabe exatamente o que tem que fazer. É eficiente, mas permite pouca inovação. 

Mas há, claro, outras formas de entender os tipos de cultura. Em artigo mais recente publicado na Harvard Business Review, os autores Boris Groysberg, Jeremiah Lee, Jesse Price, e J. Yo-Jud Cheng se debruçaram sobre o trabalho de diversos autores sobre cultura organizacional, como Edgar Schein, Shalom Schwartz, Geert Hofstede, para trazer novos insights sobre o assunto. Segundo eles, para entender a cultura de uma empresa é preciso antes entender como elas se situam em duas dimensões: interações entre pessoas e resposta à mudança

Em poucas palavras, na dimensão de interações entre pessoas, uma empresa pode ter uma orientação à independência ou à interdependência. Culturas inclinadas à primeira orientação valorizam a autonomia e a ação individual. Culturas inclinadas à segunda, valorizam a coordenação de esforços de grupo. 

Na dimensão de resposta à mudança, temos empresas que priorizam a consistência, estabilidade e manutenção do status quo, enquanto outras priorizam a flexibilidade e adaptabilidade à mudança. No primeiro grupo temos empresas com estruturas de controle hierárquicas; no segundo temos empresas com estruturas de controle abertas e diversas. 

Ao situar as empresas nessas duas dimensões, os autores do artigo sugerem a existência de pelo menos oito estilos de cultura que se aplicam tanto às empresas quanto aos líderes:

  • Caring: aqui o foco é nos relacionamentos e na construção de confiança. Empresas desse estilo são lugares colaborativos e acolhedores. Exemplo: Disney.
  • Purpose: é um ambiente de trabalho tolerante, focado na sustentabilidade. Os líderes desse estilo enfatizam ideais compartilhados e a contribuição para uma causa maior. Exemplo: Whole Foods.
  • Learning: são empresas inventivas, que valorizam a mente aberta, a criatividade, a inovação e a busca por soluções “fora da caixa”. Exemplo: Tesla.
  • Enjoyment: são lugares descontraídos, em que os funcionários são estimulados a fazer o que os faz feliz; líderes desse estilo enfatizam a espontaneidade. Exemplo: Zappos.
  • Results: foco nas realizações e conquistas. Aqui ficam as empresas orientadas a resultados, funcionários e líderes enfatizam performance e metas. Exemplo: GSK.
  • Authority: estilo marcado pela determinação e ousadia. Empresas desse estilo são lugares competitivo. Os líderes desse tipo estimulam que seus funcionários sejam confiantes e dominantes. Exemplo: Huawei.
  • Safety: são empresas onde a palavra de ordem é o planejamento. São ambientes de trabalho previsíveis, em que mudanças são pensadas com cautela e realismo. Exemplo: Lloyd’s of London.
  • Order: aqui ficam as empresas que apreciam uma estrutura de normas compartilhadas. São lugares metódicos, cooperativos, em que todos operam pelas mesmas regras para alcançar os resultados. Exemplo: SEC.

Como a cultura é formada?

Uma vez que você entenda qual é o estilo de cultura organizacional que você deseja construir na sua empresa, é preciso entender como a cultura é finalmente formada. Carioba sintetizou esse processo em cinco etapas:

1. A origem de tudo: a visão, metas, crenças, valores e suposições pessoais do fundador são apresentadas e compartilhadas com seus funcionários. Em poucas palavras, “É assim que acredito que as coisas devam ser.” 

2. Esse conjunto de elementos leva à ação compartilhada dos funcionários. Quando essa ação é bem sucedida, resulta em um reconhecimento compartilhado de que o fundador “estava certo”.

3. Os funcionários passam a agir de acordo com esse sistema de crenças e valores e, se tudo correr bem, concluirão que essa é a forma “certa” de pensar, sentir e agir.

4. Com o reforço continuado, o grupo se torna menos consciente dessas crenças e valores e passa a tratá-los como suposições não negociáveis. 

5. Mas atenção: se a visão do fundador não levar ao sucesso, o grupo ou irá fracassar ou buscará por outra liderança que tenha as crenças e valores necessários para o sucesso.

O papel do líder

A essa altura, está claro o papel essencial desempenhado pelo líder na construção e reforço da cultura organizacional, certo? 

“O líder reforça a cultura o tempo inteiro. Mas ele também é responsável por entender quando aquela cultura não faz mais sentido e se é o momento ou não de mudar. De rever as crenças, de rever o que ele acha que sabe. Ou de identificar um novo contexto que se formou e que leva à uma mudança de opinião. Um líder não pode jamais ser refém da cultura que ele criou. Ele precisa ter clareza e maturidade para gerenciar a evolução e a mudança da cultura da sua empresa”, disse Carioba.

E como os líderes fixam e transmitem a cultura organizacional? Lembra que falamos lá no início sobre os símbolos implícitos e explícitos da cultura? É aqui que eles entram. 

Os símbolos implícitos têm a ver com as crenças, os valores e as suposições. Na prática, têm a ver com como os líderes prestam atenção e exercem o controle; como reagem a crises organizacionais ou a incidentes críticos; como intercalam uma atitude formal e informal, a depender da situação e da interação; como tomam decisões sobre recursos e recompensas; como recrutam, promovem ou demitem. 

Já os símbolos explícitos englobam os rituais, procedimentos e rotinas. Exemplos de mecanismos implícitos são os procedimentos de avaliação e feedback; como os resultados financeiros são comunicados; como as informações são compartilhadas; as histórias, exemplos e lendas que circulam entre os funcionários; a estrutura física do escritório. 

“A coerência entre o discurso, os processos e as práticas é crucial. Da mesma forma, a consistência do comportamento e a consistência entre as áreas. Não adianta ter uma cultura explícita que diz uma coisa e uma cultura implícita que diz outra, ou culturas diferentes em departamentos diferentes”, explicou Carioba.

Líder de aprendizagem

Carioba concluiu com um conselho valioso para líderes e futuros líderes: em um mundo que exige cada vez mais flexibilidade, os líderes precisam ter alto comprometimento em ensinar e preparar seus times para um ambiente de incertezas e mudanças. Como?

“Não é sendo um líder autoritário, mas sim um líder que constrói confiança, que assume os erros e que arrisca, estimulando assim que os seus funcionários também não tenham medo de arriscar e errar. Sendo um líder que promove conflitos saudáveis e a escuta. Que foca nos resultados coletivos, tem comprometimento com diversidade, com aprendizagem e com o contexto em que a empresa, o negócio e os funcionários estão inseridos – a pandemia é um ótimo exemplo de como não é possível ser um bom líder sem olhar para esse contexto, sem ter disponibilidade e sensibilidade para as mudanças.”

Quer ler mais sobre o assunto? 

Pega as dicas de leitura da Carolina Carioba:

Os 5 desafios das equipes, de Patrick Lencion

Cultura organizacional e liderança, de Edgar Schein 

Empatia Assertiva, de Kim Scott

O lado difícil das situações difíceis, de Ben Horowitz